Queridos amigos,
Apresentamos
aqui fragmentos da entrevista de Leonardo Boff sobre Bento XVI, para reflexão e
discussão entre os interessados pelas coisas da Igreja Católica e pelo
cristianismo na Terra.
Que
as palavras desse sábio irmão toquem nossos corações e ampliem nossa
consciência para que as orações se intensifiquem em favor da renovação da
Igreja Católica no mundo, no sentido de renascer a experiência viva do
evangelho e dos ensinamentos legados por Cristo, no coração dessa igreja, que
fundada por Pedro, foi a primeira pátria dos cristãos na terra.
1.
Como o Sr. recebeu a renúncia de Bento XVI?
Eu,
desde o principio, sentia muita pena dele, pois pelo que o conhecia,
especialmente em sua timidez, imaginava o esforço que devia fazer para saudar o
povo, abraçar pessoas, beijar crianças. Eu tinha certeza de que um dia ele
aproveitaria alguma ocasião sensata, como os limites físicos de sua saúde e o
menor vigor mental, para renunciar. Embora se mostrou um Papa autoritário, não
era apegado ao cargo de Papa. Eu fiquei aliviado, porque a Igreja está sem
liderança espiritual que suscite esperança e ânimo. Precisamos de um outro
perfil de Papa mais pastor que professor, não um homem da instituição-Igreja,
mas um representante de Jesus que disse: “se alguém vem a mim eu não mandarei
embora” (Evangelho de João 6,37), podia ser um homoafetivo, uma prostituta, um
transexual.
7.
O Papa João XXIII disse que a Igreja não pode virar um museu, mas uma casa com
janelas e portas abertas. O Sr. acha que Bento XVI não tentou transformar a
Igreja novamente em algo como um museu?
Bento
XVI é um nostálgico da síntese medieval. Ele reintroduziu o latim na missa,
escolheu vestimentas de papas renascentistas e de outros tempos passados,
manteve os hábitos e os cerimoniais palacianos; para quem iria comungar,
oferecia primeiro o anel papal para ser beijado e depois dava a hóstia, coisa
que nunca mais se fazia. Sua visão era restauracionista e saudosista de uma
síntese entre cultura e fé, que existe muito visível em sua terra natal, a
Baviera, coisa que ele explicitamente comentava. Quando na Universidade, onde
ele estudou e eu também, em Munique, viu um cartaz me anunciando como professor
visitante para dar aulas sobre as novas fronteiras da teologia da libertação,
pediu ao reitor que protelasse esse dia, o convite já acertado. Seus ídolos
teológicos são Santo Agostinho e São Boaventura, que mantiveram sempre uma
desconfiança de tudo o que vinha do mundo, contaminado pelo pecado e
necessitado de ser resgatado pela Igreja. É uma das razões que explicam sua
oposição à modernidade, que a vê sob a ótica do secularismo e do relativismo e
fora do campo de influência do cristianismo que ajudou a formar a Europa.
9.
O que um futuro Papa deveria fazer para evitar a emigração de tantos fiéis para
outras igrejas, e especialmente pentecostais?
Bento
XVI freou a renovação da Igreja incentivada pelo Concílio Vaticano II. Ele não
aceita que na Igreja haja rupturas. Assim que preferiu uma visão linear,
reforçando a tradição. Ocorre que a tradição a partir dos séculos XVIII e XIX
se opôs a todas as conquistas modernas, da democracia, da liberdade religiosa e
outros direitos. Ele tentou reduzir a Igreja a uma fortaleza contra estas
modernidades. E via no Vaticano II o cavalo de Troia por onde elas poderiam
entrar. Não negou o Vaticano II, mas o interpretou à luz do Vaticano I, que é
todo centrado na figura do Papa com poder monárquico, absolutista e infalível.
Assim se produziu uma grande centralização de tudo em Roma sob a direção do
Papa que, coitado, tem que dirigir uma população católica do tamanho da China.
Tal opção trouxe grande conflito na Igreja até entre inteiros episcopados, como
o alemão e francês, e contaminou a atmosfera interna da Igreja com suspeitas,
criação de grupos, emigração de muitos católicos da comunidade e acusações de
relativismo e magistério paralelo. Em outras palavras, na Igreja não se vivia
mais a fraternidade franca e aberta, um lar espiritual comum a todos. O perfil
do próximo Papa, no meu entender, não deveria ser o de um homem do poder e da
instituição. Onde há poder, inexiste amor e desaparece a misericórdia. Deveria
ser um pastor, próximo dos fiéis e de todos os seres humanos, pouco importa a
sua situação moral, étnica e política. Deveria tomar como lema a frase de Jesus
que já citei anteriormente: “Se alguém vem a mim, eu não o mandarei embora”,
pois acolhia a todos, desde uma prostituta como Madalena até um teólogo como
Nicodemos.
2.
Como é a personalidade de Bento XVI já que o Sr. privou de certa amizade com
ele?
3.
Ele como Cardeal foi o seu Inquisidor depois de ter sido seu amigo: como viu
esta situação?
4.
Como o Sr. recebeu a punição do “silêncio obsequioso”?
5.
O Sr deixou a Igreja em 1992. Guardou alguma mágoa de todo o affaire no
Vaticano?
6.
Como o Sr. avalia o pontificado de Bento XVI? Soube gerenciar as crises
internas e externas da Igreja?