A
HISTÓRIA DO CIPÓ CONTA SOBRE UM ÍNDIO CAÇADOR DA FLORESTA E UMA ÍNDIA ENCANTADA
Contada por Isaias Sales, Ibã kaxinawá
Um dia o índio foi caçar dentro da floresta,
no caminho, na beira do lago encontrou um pé de jenipapo. As frutas dão fartura
e comida aos bichos da mata.
Ele
parou de caminhar, tinha muito rastro de anta e veado. Pensou, e fez uma tocaia
para poder esperar a anta e o veado. Fez uma casa pequena de palha de jarina
bem fechada. Entrou na tocaia e ficou esperando os animais. Nada de chegar o
veado (txashu) e a anta (awa). Ficou aperreado, sentiu sono e dormiu dentro da
sua tocaia. De repente ouviu um barulho, levantou-se para ver o que era. Viu
uma anta (awa) procurando jenipapo. Pegou três frutas de jenipapo e foi
descendo devagarzinho na beira do lago.
O
homem da tocaia começou a prestar atenção no segredo da anta, o que ela estava
fazendo. A anta ficou na beira do lago jogou as frutas de jenipapo, para baixo,
pra cima e no meio. A anta (awa) ficou esperando e logo começou a sair muita
espuma no meio do lago, no meio da espuma ela boiou: era uma mulher clara de
cabelos compridos e lisos, magra e bonita: Era uma mulher jibóia que vinha
atrás da anta. Ela subiu pra terra, abraçou e beijou a anta (awa). A anta
transou com a mulher jibóia.
O
homem da tocaia viu o segredo da anta ou awa e somente observando, apaixonou-se
pela mulher encantada.
A
anta (awa) terminou de fazer amor com ela e combinou para se encontrarem na
outra semana. O homem dentro da tocaia ouviu a conversa dos dois.
A
awa foi embora e a mulher sumiu para dentro do lago. O homem pensou.
Saiu
de dentro da tocaia fazendo do mesmo jeito que a awa fez: pegou três frutas de
jenipapo, jogou de jeito que ele viu. Demorou pouco tempo e começou a sair
espuma, saiu do mesmo jeito, a mulher muito bonita (hadua).
Ela
chegou à beira do rio e procurou o homem, que a chamou:
-Onde você está escondido? Saia logo.
O
homem da tocais fez isso, ficou escondido e respondeu:
-Eu
estou aqui esperando você.
Ela subiu para a terra e encontrou o homem
sentado. ela chegou perto dele e perguntou:
Quem me chamou?
O homem respondeu:
-Fui eu. Estou chamando porque estava
caçando, encontrei jenipapo na beira do meu caminho, vi anta e veado comendo
muitas frutas de jenipapo.
Fiz tocaia para ficar esperando veado e anta.
A anta chegou e fez mágica no lago. Saiu uma mulher muito linda, eles tiveram
relação, vi de dentro da minha tocaia. Quando foram embora, a anta e a mulher,
fiquei apaixonado pela mulher. Fiz a mesma coisa que a anta fez.
O
homem falou assim com ela. Ela achou graça e respondeu pra ele:
- Eu sou uma mulher, mas não sou daqui, eu
moro muito longe. Faz tempo que tu estas aqui?
Ele
respondeu:
- Faz horas. E eu vi tudo como a anta fez com
a mulher.
A mulher perguntou:
-Tu tem mulher?
O homem respondeu
-Eu tenho. E você tem marido?
Ela falou:
-Somente tenho namorado.
- Então vamos txuta?
Ela aceitou. O homem txutou. Ela gostou muito
de fazer amor. Depois disso a mulher não quis mais deixá-lo. Ela o convidou pra
morarem juntos.
O homem aceitou.
A
mulher pegou remédio, botou remédio no olho do índio, já encantado com ela. Ele
foi com ela pra terra da jibóia debaixo da água, para outro mundo, virou
encanto de jibóia.
Chegou a sua casa, entrou no quarto e ficou dentro de seu quarto.
Ela
falou assim pra ele:
- Eu
vou avisar para o meu pai e a minha mãe.
Foi
e avisou assim:
- Eu
já consegui marido.
Os parentes dela gostaram dele. Ele morou com
ela 12 anos, fez três filhos jibóia, dois homens e uma mulher.
Um
dia a mulher jibóia começou a preparar o cipó para tomar com o seu povo.
Quando estava tirando muito cipó e fazendo o preparo, o marido chegou, e
perguntou:
O
que é isso?
A
mulher dele explicou:
-
esse é cipó Huni Pae. Estou fazendo chá para beber e ver coisa bonita.
Ele
ficou animado e disse:
-
Então eu vou tomar também.
A
mulher disse que não podia beber.
-
Você é uma pessoa nova que está conhecendo agora, então você não pode tomar com
a gente.
O
homem teimou e tomou o cipó preparado. A mulher, o sogro e a sogra tomaram e
veio a miração muito forte, apresentando muita luz forte.
O
homem não agüentou, quando a mulher começou a cantar, a sogra e o sogro estavam
cantando também. Ele começou a gritar, pensando que não retornaria mais, estava
vendo na miração que seu sogro o estava engolindo, ele se viu dentro da jibóia.
Quando a pressão foi embora o homem parou de gritar, mas quando estava
gritando contou sobre a sua vida. E quando estava dentro da jibóia descobriu
que a mulher dele era uma jibóia. Até então ele não sabia que estava encantado.
Todos da família da mulher ficaram desconfiados, não estavam mais
gostando dele. O índio ficou todo triste e desconfiado, se fechou com ele
mesmo. Ficou pensando que estava perdido morando muito longe de sua família
antiga. Não tinha nenhuma idéia para voltar pra sua família.
Até
que um dia chegou uma mulher bem morena. O homem estava sentado lá fora
pensando, a mulher passou perto dele. E falou:
- O
que você está pensando homem?
O
homem respondeu:
- A minha mulher não quer mais morar comigo.
- A
mulher respondeu:
- Ta
muito fácil meu nome é Ixkê, moro perto da sua família, que você deixou. Está
vendo o meu cabelo todo assanhado? É por causa de você, que deixou a sua
família. Estão todos passando mal, eles queriam me pegar e puxaram o meu
cabelo. Melhor tu ir embora, não deve morar mais aqui, a tua mulher jibóia está
aprontando para te matar.
O
índio falou com Ixkê:
- Como posso voltar?
- É muito fácil. É assim: vai pegando o
igarapé, subindo até a cabeceira, e lá vai encontrar raiz da paxiúba, onde está
pingando água. Tu sais, vai embora. Ixkê explicou pra ele.
No
outro dia o índio foi caçar, falou pra mulher assim:
- Eu
vou caçar e volto aqui.
Ele
saiu bem cedinho, pegou o igarapé, foi subindo até encontrar com Ixkê e
encontrou a raiz paxiúba, boiou perto da sua casa deste lado do mundo.
Encontrou um parente dele, ficou na casa do cunhado antigo. Contou a sua
história com a mulher jibóia. O homem
passou um tempo morando com seu cunhado.
Os
três filhos que teve com a mulher jibóia estavam muito preocupados procurando o
pai.
Deste lado do mundo, ele foi caçar de novo na beira do igarapé, então
encontrou o seu filho mais novo. O filho jibóia vendo que encontrou o pai dele,
chamou o outro irmão, a irmã e a mãe.
O
filho que encontrou o pai, logo engoliu o dedo do pé, o filho jibóia gritou
assim:
- Siri, siri, siri.
Veio
o outro filho mais velho e engoliu até a coxa. Veio o outro filho mais novo e
engoliu até a cintura.
O
homem começou a gritar chamando seus outros parentes do mundo de cá:
- Venham meus parentes. As jibóias estão me
engolindo.
Gritou para os outros parentes escutarem. O parente escutou, veio na
carreira e encontrou o homem com a cintura sendo engolido pela parenta jibóia.
Com os outros parentes conseguiram tirar ele.
O
homem ficou com o corpo todo mole, ficou na rede, estava doente, falou para seu
cunhado:
-
Quando eu morrer me enterra, passando seis meses pode me procurar na minha
sepultura. Na parte direita vou virar
cipó, na parte esquerda vou virar rainha. Tira o cipó, corta uma palma de
comprido, bate com um pedaço de pau, tira a casca, bota água junto com a folha,
pode cozinhar e depois cantando, eu fico dentro do cipó explicando pra você.
Foi
explicando pro cunhado dele enquanto ele morria. Enterraram, passou seis meses, o cunhado dele
foi visitar a sepultura e já tinha nascido o cipó e a rainha. Tirou os dois
juntos. Fez como ele havia explicado.
Fez
o cipó, tomou, veio a miração, teve muitas explicações, mostrando o futuro,
presente e passado. É verdade, do homem surgiu o cipó. É essa a nossa história.
Fonte do texto: Huni Meka: cantos do Nixi Pae. Comissão Pró-Índio, 2007.
Fonte das imagens: https://www.facebook.com/iba.sales