Aquele que conhece o segredo do som conhece o
mistério do Universo. (Inayat Khan)
A sacralização do som é muito antiga. Nos
antigos hinos da Índia, no Egito antigo, nos rituais, nas cerimônias
xamanistas, no som dos tambores africanos, está o som sob a forma de palavra ou
de música.
Uma visão do Universo nos mostra uma serie de
sistemas aparentemente separados. Formas, Densidades, Vibrações. O Tantra
considera que tudo é Energia. Todas as coisas são sons. Canta a pedra. Sussurra
a árvore. Há, entretanto, uma graduação de valores. A Mantra-Yoga hindu nos
ensina que os sons são classificados em quatro estágios:
1)
Para (supremo sutilíssimo)
2)
Pasyanti
3)
Madhyama
4)
Vaikhari (que vai desde o sutil ao grosseiro)
Já a palavra
é um som a que se atribui um significado. É um som carregado de conteúdo psíquico. A palavra na India é Vak, de
onde procede no latim a expressão Vox (voz).
Mas há três
níveis de Palavra. Ela pode ser Sabda,
que é a vibração – Spanda – da coisa em sua essência ou
Artha, que é objeto – a coisa em si mesma.
E, por fim, no terceiro nível, é Pratyaya
( a coisa apreendida, capturada).
Os Rishis, os homens santos da Índia antiga, tinham a suficiente
sensibilidade para captar Sabda, que neles se refletia como Artha, que era
então capturada – Pratyaya – e transformada em poesia.
Voltemos à essência do Universo. No principio
havia apenas um Desejo Divino (Kama) manifestado como uma Vontade (Iccha). Na
mitologia indiana, a deusa Saravasti (a esposa de Vishnu) é Vak. O seu
símbolo é o instrumento musical chamado Vina. No universo no inicio da manifestação, surgiu uma primeira vibração
cósmica que produziu o som OM (AUM). A vibração do objeto (Artha) que
produz modificações na mente, chamadas Vriti, que permite a Apreensão
(Pratyaya), são a mesma coisa.
Outro conceito profundamente significativo é o Nome Natural que corresponde ao som
produzido pelas energias contidas nesse corpo. O nome natural será o som ouvido por um observador cósmico.
Temos que levar em consideração o fato de que cada observador que ouve o faz em
função de um sistema de referencias e que a fidelidade da reprodução é sempre
relativa. I.K. Taimini, no seu livro Gayatri afirma:
“Investigações por métodos ióguicos
demonstram que todos os mundos manifestados são baseados em vibrações de várias
espécies de energia, e que todas essas vibrações estão ligadas umas às outras e
podem ser identificadas de um estado de sutileza a outro até se chegar a uma
ultima, primária, fundamental, que engloba a todas, e dela todas derivam.”
Essa
vibração seria o chamado Pranava, ou Mula-Mantra – o AUM. O Mantra-Yoga nos
revela um mundo novo como vibração, onde a solidez é uma aparência. Esta
concepção é idêntica à expressada na equação de Einstein: E = mc2.
Segundo o Tantra, a vibração não é somente a
base da forma, mas é também necessária para a manifestação da consciência. O
fato básico é que Vibração, Forma e
Consciência estão interligadas. Segundo Taimini, na obra citada:
“Mantra Shastra é a Ciencia na qual os
mantras são usados para produzir certos resultados. É possível, com eles,
desenvolver certos poderes latentes (Siddhis). “
A literatura tântrica esta repleta de
Mantras. A Ciência do som não tem nada de espiritual, pois é uma Ciência como
outra qualquer. O problema do praticante
é o de se purificar e procurar colocar em harmonia todos os seus corpos sutis,
a fim de obter a sintonia com uma consciência mais elevada. O Mantra é um
arranjo de sons que produz determinados efeitos quando devidamente pronunciado.
Essa maneira especial é que o “acende”.
A tradição hindu nos diz que as letras do alfabeto sânscrito nasceram dos sons
produzidos pelo tambor (damaru) de Shiva. Aquele que conhece o poder inerente ao som produzido pelas letras tem à
sua disposição um Poder Imensurável (Vide, de John Woodroffe, Garland of
Letters). Taimini, entretanto, adverte:
“Este é um assunto altamente complexo. Não é
fácil de ser compreendido, especialmente porque o puro conhecimento tornou-se
misturado com grande quantidade de praticas perigosas, indesejáveis e de
charlatanismo.”
Os Mantras
são repetidos numa determinada sequencia rítmica e com a devida entonação e intenção. A simples repetição, mesmo que pareça
idêntica auditivamente, não produz qualquer efeito se não tiver por trás da
formação de cada sílaba a devida “entonação”. Esta “entonação” é dada pelo
Mestre ao seu discípulo qualificado e aceito. Ao seu “filho” espiritual. Temos, portanto, toda uma escala, que vai
desde o som audível ao etérico e mental. O chamado Japa mental ocorre
quando a repetição do Mantra só se dá no plano mental. Nesta repetição, a
significação de cada palavra é invocada e a ideia do conjunto devidamente
enfocada. Para que o Japa tenha efeito, seja um sucesso, é indispensável que o
praticante concentre e polarize devidamente os seus poderes e os dirija para o
alvo correto. A mera repetição no plano audível ou a descuidada utilização do pensamento
no plano mental tornam o processo absolutamente inócuo. Para que o Japa seja
efetivo é necessário Ardor (Tapas) por parte do praticante. A expressão
sânscrita significa “Calor” e a sua raiz é encontrada no nosso idioma na
palavra “tépido” – morno. O Yajnavalkya Samhita é um texto que diz claramente:
“O Rishi de um mantra é aquele Profeta ou
Adepto particular que o descobriu, ou melhor, o construiu, usando para isso dos
poderes latentes existentes nas letras que constituem o mantra e o efeito total
produzido pelos seus sons em nossos veículos.”
Há um
mecanismo efetivo funcionando na ligação do Mestre com seu discípulo. Quando
dirigimos a Ele um pensamento profundo, firme, de aspiração, a resposta depende
basicamente do ardor e reverência com que o emitimos. O pensamento atinge o Mestre, pois, no plano
sutilíssimo, há uma relação “misteriosa” unindo todas as coisas ( Adhistana).
O Mantra e o Mestre (Rishi) estão incluídos
nessa relação. A tradição diz que quando um discípulo (Chela) emite
firmemente um pensamento ao seu Guru, ele é imediatamente atingido, mesmo
quando o discípulo não tenha a menor ideia onde ele se encontre, nem qual seja
a sua atividade naquele momento.
A tradição védica da Índia diz que devemos,
antes de iniciar a nossa pratica habitual (Upassana), recitar um outro Mantra
preparatório que nos foi dado pelo Mestre e que se chama Chanda. O Chanda
possui uma estrutura com características marcantes.
A Ciência dos Chandas é considerada hoje como
perdida ou extraordinariamente oculta.
No processo operativo, a mente age a partir
de um centro mental chamado Mano-Bindu. Este é o centro real de todos os
veículos físicos e hiperfisicos que estão a ele articulados. É o chamado “ponto
zero”, ou central, de onde opera o espirito (Atman) utilizando a mente nos seus
diversos estratos. Na Literatura oculta, este ponto é considerado como o
verdadeiro “coração” do individuo.
O Mundakopanishad II(2)-5 diz:
“Tentai conhecer somente a Ele, o Paratma,
que embebe os três mundos – o físico, o astral e o mental – bem como a Mente e
os Pranas. Abandonai todas as palavras vazias. Somente Ele é a ponte para a
imortalidade.”
O mesmo Mundakopanishad afirma:
“Assim como os raios de uma roda se
encontra no seu cubo, assim os nadis se encontram no coração. Neste centro, Ele
(o Paratma) que se tornou múltiplo, vive. Meditai nele graças ao uso da palavra
OM. E que possais dessa forma cruzar o mar das trevas da ignorância e atingir a
outra margem.”
O Poder da palavra se manifesta não só
através da Palavra como, também, da Musica. A presença de ritmos e cânticos
pode ser testemunhas noss rituais africanos, asiáticos ou das Americas. Há um
conhecimento da existência de um Poder inconsciente que pode ser invocada e
manifestar-se como que numa explosão. Peter Michael Hamel, no seu livro Through
Musci to the Self, acha que:
Essa força primitiva pode ser invocada por
meios musicais. Nos também podemos nos submeter aos seus poderes estimulativos.
Mas será nosso dever não permitir, meramente, que esses poderes exerçam sua
influencia mágica sobre nos. A fim de que eles permaneçam ao nosso serviço
auxiliando-nos a tornar-nos pessoas completas, no sentido de alcançarmos uma
Totalidade Integrada.
O aprendizado da Música na Índia é
portanto, uma ascese, com exercícios de purificação e meditação para
transformar o homem num instrumento adequado da manifestação. O mestre de
musica, o Guru é um homem geralmente de elevado desenvolvimento espiritual.
Para muitos dos executantes, a Musica é uma
Yoga. Um caminho de união com o Supremo. A Musica, para os antigos, estava
ligada à Harmonia das Esferas. Ela nasce, como uma centelha, da tensão
existente entre o audível e o inaudível. Para o musico Hazrat Inayat Khan, que
se tornou o grande divulgador do ideal Sufi no mundo moderno:
“Aquele que conhece o segredo dos sons
conhece o mistério de todo o Universo.”
É esse, aliás, o sentimento do compositor
moderno K.H. Stockhausen ao afirmar:
“Uma Nota musical vive, como tu, como eles,
como eu, como Aquilo.
Move-se. Estica-se. Contrai-se.
Metamorfoseia-se, dá nascimento, procria,
morre e renasce.
Busca, para, encontra, perde, ama, casa-se,
apressa-se.
Vem e vai.”
Uma visão mais profunda da Musica pode ser
obtida da leitura da vasta obra de Hazrat Inayat Khan. No texto chamado ON
MUSIC, encontrado no volume II, há uma profunda análise do problema. Vamos
acompanhar algumas citações:
A Musica tem sido reverenciada pelos místicos
de todas as idades.
Em todo o mundo a
musica tem sido o centro do culto e o santo oficio dentro dos mais
internos círculos de iniciados.
Entre os Sufis a música também é vista como a
fonte de suas meditações, pois eles se sentem como a alma esta desabrochando, como as faculdades
intuitivas podem ser abertas. Seus corações se abrem a todas as belezas do
mundo interno e externo, elevando-os e, ao mesmo tempo, trazendo-os
aquela perfeição que a alma anseia.
Os músicos da Índia
devotam doze horas, ou mais, por dia à pratica dos vários ritmos e de suas
variações. No fim, esses ritmos produzem um efeito psicológico que não é
mais meramente musical, mas mágico. Essa magia pode mover uma pessoa e tocar o
seu coração. Ao ouvir tal musica, podemos nos sentir transportados a outro
mundo. E, entretanto, ela é escassamente audível.
Continua ele em outro trecho:
“Nada pode ser de mais ajuda espiritual do
que a Musica. A Meditação é uma preparação para a perfeição, mas é a Musica que
chega mais perto dela. A Musica é a harmonia do Universo no microcosmo. Pois essa harmonia
é a própria vida e, no homem, que é ele mesmo um microcosmo, os acordes e
dissonâncias podem ser encontrados nos seu pulso, no bater do seu coração, na
sua vibração, no seu ritmo e tom. Sua saúde ou doença, sua alegria ou tristeza,
mostram se há musica ou não, em sua vida.
O que a Musica nos ensina? A Musica nos
treina à harmonia, e lá esta o segredo da Musica. Ou a sua Magia. Se ouvirmos uma
musica agradável, há harmonia nas nossas. É por isso que o homem anseia e
necessita de Musica. Muitos dizem que não tem tempo ou lugar para a musica, mas
essas pessoas não ouviram ainda o seu toque. Se eles tivessem ouvido Musica,
suas almas teriam sido tocadas e eles a amariam.
Além disso,
a Musica desenvolve a faculdade de apreciar o que é bom e belo em arte e
ciência, pois é na Musica e na arte poética que a beleza se revela plenamente.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário