segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O Poder do Som





 Aquele que conhece o segredo do som conhece o mistério do Universo. (Inayat Khan)
 A sacralização do som é muito antiga. Nos antigos hinos da Índia, no Egito antigo, nos rituais, nas cerimônias xamanistas, no som dos tambores africanos, está o som sob a forma de palavra ou de música.
Uma visão do Universo nos mostra uma serie de sistemas aparentemente separados. Formas, Densidades, Vibrações. O Tantra considera que tudo é Energia. Todas as coisas são sons. Canta a pedra. Sussurra a árvore. Há, entretanto, uma graduação de valores. A Mantra-Yoga hindu nos ensina que os sons são classificados em quatro estágios:
1)      Para (supremo  sutilíssimo)
2)      Pasyanti
3)      Madhyama
4)      Vaikhari (que vai desde o sutil ao grosseiro)

Já a palavra é um som a que se atribui um significado. É um som carregado de conteúdo psíquico. A palavra na India é Vak, de onde procede no latim a expressão Vox (voz).

Mas há três níveis de Palavra. Ela pode ser  Sabda, que é a vibraçãoSpanda – da coisa em sua essência ou Artha, que é objetoa coisa em si mesma. E, por fim, no terceiro nível, é Pratyaya ( a coisa apreendida, capturada). Os  Rishis, os homens santos da Índia antiga, tinham a suficiente sensibilidade para captar Sabda, que neles se refletia como Artha, que era então  capturada – Pratyaya – e transformada em poesia.

Voltemos à essência do Universo. No principio havia apenas um Desejo Divino (Kama) manifestado como uma Vontade (Iccha). Na mitologia indiana, a  deusa Saravasti (a esposa de Vishnu) é Vak. O seu símbolo é o instrumento musical chamado Vina. No universo no inicio da manifestação, surgiu uma primeira vibração cósmica que produziu o som OM (AUM). A vibração do objeto (Artha) que produz modificações na mente, chamadas Vriti, que permite a Apreensão (Pratyaya), são a mesma coisa.

Outro conceito profundamente significativo é o Nome Natural que corresponde ao som produzido pelas energias contidas nesse corpo. O nome natural será o som ouvido por um observador cósmico. Temos que levar em consideração o fato de que cada observador que ouve o faz em função de um sistema de referencias e que a fidelidade da reprodução é sempre relativa. I.K. Taimini, no seu livro Gayatri afirma:

“Investigações por métodos ióguicos demonstram que todos os mundos manifestados são baseados em vibrações de várias espécies de energia, e que todas essas vibrações estão ligadas umas às outras e podem ser identificadas de um estado de sutileza a outro até se chegar a uma ultima, primária, fundamental, que engloba a todas, e dela todas derivam.”

Essa vibração seria o chamado Pranava, ou Mula-Mantra – o AUM. O Mantra-Yoga nos revela um mundo novo como vibração, onde a solidez é uma aparência. Esta concepção é idêntica à expressada na  equação de Einstein: E = mc2.

Segundo o Tantra, a vibração não é somente a base da forma, mas é também necessária para a manifestação da consciência. O fato básico é que Vibração, Forma e Consciência estão interligadas. Segundo Taimini, na obra citada:

“Mantra Shastra é a Ciencia na qual os mantras são usados para produzir certos resultados. É possível, com eles, desenvolver certos poderes latentes (Siddhis). “

A literatura tântrica esta repleta de Mantras. A Ciência do som não tem nada de espiritual, pois é uma Ciência como outra qualquer. O problema do praticante é o de se purificar e procurar colocar em harmonia todos os seus corpos sutis, a fim de obter a sintonia com uma consciência mais elevada. O Mantra é um arranjo de sons que produz determinados efeitos quando devidamente pronunciado. Essa maneira especial é que o “acende”.
A tradição hindu nos diz que as letras do alfabeto sânscrito nasceram dos sons produzidos pelo tambor (damaru) de Shiva.  Aquele que conhece o poder inerente ao som produzido pelas letras tem à sua disposição um Poder Imensurável (Vide, de John Woodroffe, Garland of Letters). Taimini, entretanto, adverte:

“Este é um assunto altamente complexo. Não é fácil de ser compreendido, especialmente porque o puro conhecimento tornou-se misturado com grande quantidade de praticas perigosas, indesejáveis e de charlatanismo.”

Os Mantras são repetidos numa determinada sequencia rítmica e com a devida entonação e intenção. A simples repetição, mesmo que pareça idêntica auditivamente, não produz qualquer efeito se não tiver por trás da formação de cada sílaba a devida “entonação”. Esta “entonação” é dada pelo Mestre ao seu discípulo qualificado e aceito. Ao seu “filho” espiritual. Temos, portanto, toda uma escala, que vai desde o som audível ao etérico e mental. O chamado Japa mental ocorre quando a repetição do Mantra só se dá no plano mental. Nesta repetição, a significação de cada palavra é invocada e a ideia do conjunto devidamente enfocada. Para que o Japa tenha efeito, seja um sucesso, é indispensável que o praticante concentre e polarize devidamente os seus poderes e os dirija para o alvo correto. A mera repetição no plano audível ou a descuidada utilização do pensamento no plano mental tornam o processo absolutamente inócuo. Para que o Japa seja efetivo é necessário Ardor (Tapas) por parte do praticante. A expressão sânscrita significa “Calor” e a sua raiz é encontrada no nosso idioma na palavra “tépido” – morno. O Yajnavalkya Samhita é um texto que diz claramente:

O Rishi de um mantra é aquele Profeta ou Adepto particular que o descobriu, ou melhor, o construiu, usando para isso dos poderes latentes existentes nas letras que constituem o mantra e o efeito total produzido pelos seus sons em nossos veículos.”

Há um mecanismo efetivo funcionando na ligação do Mestre com seu discípulo. Quando dirigimos a Ele um pensamento profundo, firme, de aspiração, a resposta depende basicamente do ardor e reverência com que o emitimos. O pensamento atinge o Mestre, pois, no plano sutilíssimo, há uma relação “misteriosa” unindo todas as coisas ( Adhistana).
O Mantra e o Mestre (Rishi) estão incluídos nessa relação. A tradição diz que quando  um discípulo (Chela) emite firmemente um pensamento ao seu Guru, ele é imediatamente atingido, mesmo quando o discípulo não tenha a menor ideia onde ele se encontre, nem qual seja a sua atividade naquele momento.

A tradição védica da Índia diz que devemos, antes de iniciar a nossa pratica habitual (Upassana), recitar um outro Mantra preparatório que nos foi dado pelo Mestre e que se chama Chanda. O Chanda possui uma estrutura com características  marcantes.

A Ciência dos Chandas é considerada hoje como perdida ou extraordinariamente oculta.

No processo operativo, a mente age a partir de um centro mental chamado Mano-Bindu. Este é o centro real de todos os veículos físicos e hiperfisicos que estão a ele articulados. É o chamado “ponto zero”, ou central, de onde opera o espirito (Atman) utilizando a mente nos seus diversos estratos. Na Literatura oculta, este ponto é considerado como o verdadeiro “coração” do individuo.

O Mundakopanishad II(2)-5 diz:

Tentai conhecer somente a Ele, o Paratma, que embebe os três mundos – o físico, o astral e o mental – bem como a Mente e os Pranas. Abandonai todas as palavras vazias. Somente Ele é a ponte para a imortalidade.”

O mesmo Mundakopanishad  afirma:

Assim como os raios de uma roda se encontra no seu cubo, assim os nadis se encontram no coração. Neste centro, Ele (o Paratma) que se tornou múltiplo, vive. Meditai nele graças ao uso da palavra OM. E que possais dessa forma cruzar o mar das trevas da ignorância e atingir a outra margem.”

O Poder da palavra se manifesta não só através da Palavra como, também, da Musica. A presença de ritmos e cânticos pode ser testemunhas noss rituais africanos, asiáticos ou das Americas. Há um conhecimento da existência de um Poder inconsciente que pode ser invocada e manifestar-se como que numa explosão. Peter Michael Hamel, no seu livro Through Musci to the Self, acha que:
Essa força primitiva pode ser invocada por meios musicais. Nos também podemos nos submeter aos seus poderes estimulativos. Mas será nosso dever não permitir, meramente, que esses poderes exerçam sua influencia mágica sobre nos. A fim de que eles permaneçam ao nosso serviço auxiliando-nos a tornar-nos pessoas completas, no sentido de alcançarmos uma Totalidade Integrada.

O aprendizado da  Música na Índia é portanto, uma ascese, com exercícios de purificação e meditação para transformar o homem num instrumento adequado da manifestação. O mestre de musica, o Guru é um homem geralmente de elevado desenvolvimento espiritual.

Para muitos dos executantes, a Musica é uma Yoga. Um caminho de união com o Supremo. A Musica, para os antigos, estava ligada à Harmonia das Esferas. Ela nasce, como uma centelha, da tensão existente entre o audível e o inaudível. Para o musico Hazrat Inayat Khan, que se tornou o grande divulgador do ideal Sufi no mundo moderno:

“Aquele que conhece o segredo dos sons conhece o mistério de todo o Universo.”

É esse, aliás, o sentimento do compositor moderno K.H. Stockhausen ao afirmar:

“Uma Nota musical vive, como tu, como eles, como eu, como Aquilo.
Move-se. Estica-se. Contrai-se.
Metamorfoseia-se, dá nascimento, procria, morre e renasce.
Busca, para, encontra, perde, ama, casa-se, apressa-se.
Vem e vai.”

Uma visão mais profunda da Musica pode ser obtida da leitura da vasta obra de Hazrat Inayat Khan. No texto chamado ON MUSIC, encontrado no volume II, há uma profunda análise do problema. Vamos acompanhar algumas citações:

A Musica tem sido reverenciada pelos místicos de todas as idades.
Em todo o mundo a musica tem sido o centro do  culto e o santo oficio dentro dos mais internos círculos de iniciados.

Entre os Sufis a música também é vista como a fonte de suas meditações, pois eles se sentem como a  alma esta desabrochando, como as faculdades intuitivas podem ser abertas. Seus corações se abrem a todas as belezas do mundo interno e  externo, elevando-os e, ao mesmo tempo, trazendo-os aquela perfeição que a alma anseia.

Os músicos da Índia devotam doze horas, ou mais, por dia à pratica dos vários ritmos e de suas variações. No fim, esses ritmos produzem um efeito psicológico que não é mais meramente musical, mas mágico. Essa magia pode mover uma pessoa e tocar o seu coração. Ao ouvir tal musica, podemos nos sentir transportados a outro mundo. E, entretanto, ela é escassamente audível.


Continua ele em outro trecho:

“Nada pode ser de mais ajuda espiritual do que a Musica. A Meditação é uma preparação para a perfeição, mas é a Musica que chega mais perto dela. A Musica é a harmonia do Universo no microcosmo. Pois essa harmonia é a própria vida e, no homem, que é ele mesmo um microcosmo, os acordes e dissonâncias podem ser encontrados nos seu pulso, no bater do seu coração, na sua vibração, no seu ritmo e tom. Sua saúde ou doença, sua alegria ou tristeza, mostram se há musica ou não, em sua vida.

O que a Musica nos ensina? A Musica nos treina à harmonia, e lá esta o segredo da Musica. Ou a sua Magia. Se ouvirmos uma musica agradável, há harmonia nas nossas. É por isso que o homem anseia e necessita de Musica. Muitos dizem que não tem tempo ou lugar para a musica, mas essas pessoas não ouviram ainda o seu toque. Se eles tivessem ouvido Musica, suas almas teriam sido tocadas e eles a amariam.

Além disso, a Musica desenvolve a faculdade de apreciar o que é bom e belo em arte e ciência, pois é na Musica e na arte poética que a beleza se revela plenamente.”

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